Novo Simulacionismo
Um Manifesto
1. O mundo ficcional é soberano.
Em tudo que você fizer, tenha certeza que o mundo ficcional venha primeiro. Se em algum momento qualquer aspecto do jogo começar a colidir com a veracidade e a verdade do mundo ficcional, mude o que está fazendo.
Em cada arbitragem, cada regra, cada encontro, cada momento - o mundo ficcional impera. Ele não pode ser sobrepujado.
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2. Restrinja os meios não-diegéticos em que o mundo pode ser alterado.
Personagens e sistemas podem, obviamente, afetar o mundo ficcional. À medida que eles se movem e agem através do mundo, o mundo muda e reflete essas ações. Essas mudanças podem ocorrer como resultado tanto do jogador quanto do mestre. Da mesma maneira, sistemas diegéticos do mundo ficcional - leis, magia, clima, economia e outros - podem alterar o mundo também.
Fora as ações diegéticas de personagens, jogadores não podem alterar o mundo. O mundo é sagrado: ele é separado e não pode ser alterado, exceto pelas forças de dentro do mundo ficcional. Em momento algum o mundo deveria mudar só porque as regras ditam que sim.
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3. O mestre é um árbitro, não um autor - ele também é subordinado ao mundo ficcional.
O mestre é um jogador. De acordo com isso, ele é impedido de usar sua habilidade não-diegética para alterar o mundo, assim como qualquer outro jogador.
Se o mestre é também um autor, designer, e criador do mundo ficcional, ele deve aderir ao mundo ficcional criado antes do jogo começar. Uma vez na mesa, o mundo não pode ser alterado exceto por meios puramente diegéticos.
Quando você como mestre estiver na vontade emergente de alterar o mundo ficcional fora dos métodos diegéticos, resista à tentação! Conforme você muda o mundo ficcional, você nega aos outros jogadores da mesa a chance de jogar e ter um impacto genuíno no mundo. Garanta a confiança e a dignidade deles para tomarem suas próprias decisões.
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4. Regras, sistemas e mecânicas são abstrações do mundo ficcional, não estruturas ou ordens para os jogadores.
Todas as regras são abstrações de uma realidade grande e complexa. Elas existem para facilitar processos complicados em algo que possa ser mais facilmente jogado - e nada além disso.
Regras não são direcionamentos para como jogar. Não são ordens. Elas não são códigos de um sistema externo, como o arco narrativo ou a imagem de um gênero. Toda história é pós-hoc.
Quando o dragão chega a 0 PV e morre, isso não acontece porque chegou a 0 PV: ele morre porque levou tanto dano que não consegue continuar. As abstrações do seu jogo são representativas, não autoritárias.
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5. Todas as abstrações devem justificar sua existência em oposição ao jogo não abstrato. Muitas abstrações são justificáveis.
O mundo ficcional é vasto e complexo. Cada abstração reduz parte dessa vastidão para algo gerenciável. A cada momento novo, se pergunte: “Essa abstração é melhor para o jogo do que simplesmente jogá-lo?”
Em muitos casos a resposta é “sim”. Cada jogo tem um foco diferente, e as regras devem ser construídas para melhorar esse foco. O mundo é enorme: não tenha medo de simplificar partes que importam menos.
Se o foco do jogo é, digamos, explorar um novo planeta, você pode achar útil abstrair o financiamento governamental do planeta mãe. Essa é uma parte relevante do mundo ficcional, mas é extremamente complicada e - criticamente - a maioria dessas complexidades é irrelevante para os exploradores. O que importa é o input (o que os exploradores precisam fazer para conseguir o financiamento) e o output (o quanto de financiamento eles conseguem). Os detalhes precisos de cada engrenagem do financiamento governamental são irrelevantes: abstraia.
Num jogo onde o foco é a exploração, entretanto, a exploração deve permanecer não abstrata.
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6. Se suas abstrações não combinam com o mundo ficcional, desabstraia até combinar.
Se a qualquer momento as abstrações do seu jogo - as regras - não combinam com a realidade do mundo ficcional, mude-as. O mundo ficcional é soberano: abstrações podem sempre ser desabstraidas, mas o mundo ficcional não pode ser mudado a não ser que seja de dentro do mundo ficcional.
Atritos entre seu mundo e abstrações são normais e esperados durante o curso de qualquer jogo. Nenhuma abstração é mais valiosa ou mais importante que o mundo ficcional - mude-as à vontade.
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7. Se você quer mudar seu jogo, mude seu mundo antes das abstrações.
Por conta do mundo ficcional ser soberano, esse é o aspecto mais importante do seu jogo. Quando você muda o mundo, você muda o jogo.
Se a mesa decidir em conjunto mudar o jogo, dê um passo pra trás e mudem o jogo juntos. Decida o que importa e o que não importa para seu jogo, e mude o mundo baseado nessa vontade.
As abstrações são todas secundárias. Inevitavelmente, conforme seu mundo muda, você perceberá que suas abstrações não combinam com o mundo ficcional. Quando isso ocorrer, desabstraia até elas combinarem. Então, conforme você jogar, reabstraia essas partes do jogo conforme elas forem sendo justificadas. Não se prenda as regras.
Em ponto algum o mundo ficcional muda como resultado de uma abstração prévia, ou alguma regra que precisa que sua presença seja sentida. Não tenha medo do livro de regras e nem do auto-coroado game designer.
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8. Jogar é o foco do jogo. Jogar não é abstrato.
Abstrações são, pela sua própria natureza, mecanismos. Não jogáveis. Jogar em RPGs ocorre à margem das abstrações: elas são relevantes e impactantes, mas não onde o ato primário de jogar acontece.
Seu jogo deve focar em jogar, não em mecânicas.
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9. O mundo ficcional não consegue ser perfeitamente simulado. Isso não significa que você não deveria tentar.
O mundo ficcional é infinitamente complexo. É impossível de realmente simular: nenhuma pessoa ou texto consegue imaginar a coisa toda. Nós somos limitados em entendimento por uma abundância de fatores, inconscientes até mesmo da nossa própria inconsciência. Nós permanecemos completamente ignorantes face à vastidão de conhecimento que compreende o mundo ficcional. É impossível de realmente simular.
Você deveria tentar de qualquer forma.
Esforce-se com ousadia em direção ao ideal platônico da simulação total! Busque pela maravilha de um mundo secundário completo! Aproxime-se dessas esferas distantes!
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10. Jogadores vêm antes do mundo ficcional.
Em todos os sentidos, as pessoas com as quais você joga são mais importantes que o jogo. Sua comunidade é o fundamento de jogar. Nada importa mais.
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Notas
Sam Sorensen
Abril 22, 2023. Revisado em Julho 2023.Brooklyn, New York.
Leitura adicional:
De Koven, Bernie // The Well-Played Game
Gearing, Luke // “Against Incentive”
Gearing, Luke // Volume 2 Monsters &
Huizinga, Johan // Homo Ludens
Huntsman, Vi // “Dread and Other Emotions”
Juul, Jesper // Half-Real
Milton, Ben & Lumpkin, Stephen // Principia Apocrypha
Peterson, Jon // Playing at the World
Rose, Noora // “The Tyranny of ‘Rule’”
Scott, James C. // Seeing Like a State
Sicart, Miguel // “Against Procedurality”
Sinclair, Jared // Anti-Sisyphus Omnibus
Sinclair, Jared // “‘Rules Elide’ and Its Consequences”
Sinclair, Jared // “The New Transparency”
Thriftomancer // Null
Wark, McKenzie // Gamer Theory
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*A tradução do texto foi autorizada pelo autor original.
Se você leu até aqui peço que deixe um comentário ali embaixo falando se gostou ou desgostou ou se tem alguma sugestão, muito obrigado =)
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Boa iniciativa de tradução. Eu teci alguns comentários quando tu trouxe o texto original, lá no grupo do BREU (WhatsApp), mas antes de representá-los aqui gostaria de contribuir com alguns elos para a "leitura adicional":
ResponderExcluirBoluk, Stephanie & Lemieux, Patrick // Metagaming https://www.jstor.org/stable/10.5749/j.ctt1n2ttjx.3?seq=2
De Koven, Bernie // The Well-Played Game https://mitpress.mit.edu/9780262019170/the-well-played-game/
Huizinga, Johan // Homo Ludens https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Homo_Ludens
Juul, Jesper // Half-Real https://edufscar.com.br/half-real:-videogames-entre-regras-reais-e-mundos-ficcionais-510400027
Peterson, Jon // Playing at the World https://playingattheworld.blogspot.com/
Scott, James C. // Seeing Like a State https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ver_como_um_Estado
Wark, McKenzie // Gamer Theory https://archive.org/details/gamertheory00wark
Continuando, o título me remete a falaciosa "Teoria LNS", onde o autor tenta atribuir comportamento de jogadores a jogos, o que não aguenta 5 min de trocação com a materialidade lúdica, como corroboram Brian Gleichmane e Marie Brenna. Visto que o texto não segue essa linha, trata-se de uma isca bem feita.
A meu ver, o manifesto é feliz nos seus ditames, mas falha na linguagem, que deveria ser mais explícito e coloquial, como todo texto panfletário típico. Mas nada que uma segunda leitura não esclareça. Obrigado por traduzi-lo.
Obrigado pelo comentário, sobre os links eu segui o texto original, algumas referências estavam com links, outras não, então mantive assim, acredito que as referências sem links são para livros.
ExcluirAdemais concordo com o fato do texto ter um linguagem não tão fácil, pretendo fazer um outro post destrinchando cada ponto logo mais.