Texto escrito por Renan S.
Combate Fu é uma ideia que conheci ao ler o 'Quick primer for Old-School Gaming', de Matthew J. Finch, e recomendo a leitura ou releitura deste texto para todos os interessados, tem tradução pelo pessoal do Café com Dungeon. Em suma, o Combate Fu permite realizar ações que não estão explicitamente definidas nas regras do jogo. Este texto é a minha visão sobre o tema, não no sentido que é algo original e inovador, mas no sentido que não estou trazendo a verdade única e absoluta sobre Combate Fu, além disso o texto foi pensado a partir da experimentação do estilo de jogo Oil Fantasy, mesmo eventualmente não seguindo todas as particularidades do estilo.
No Combate Fu, tudo o que fizer sentido é possível de ser feito, absolutamente tudo, Finch no Primer apresenta a seguinte ideia:
"A razão pela qual o combate Old School não é chato – e, na verdade, muitas vezes é bem mais colorido que os combates em jogos modernos – é por conta de coisas que não estão nas regras de combate. Nestes jogos, um jogador pode descrever e tentar fazer virtualmente qualquer coisa que ele consiga pensar. Ele não precisa ter nenhum tipo de habilidade definida no jogo. Pode tentar deslizar pelo chão, entre seus oponentes, balançar em um lustre e cortar um inimigo distante, provocar um oponente e fazê-lo cair em um alçapão, ou qualquer outra coisa que ele queira tentar. Isso, é claro, não significa que ele vai ser bem sucedido automaticamente."
Então no Combate Fu você pode acertar os olhos, desarmar, atacar vários de uma vez, decepar membros, chutar, mirar, imobilizar, lutar com duas armas, desviar a atenção do inimigo, provocar um desabamento, se mover sem ser detectado, e o que mais você quiser fazer, se fizer sentido no contexto.
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Quem decide o que faz sentido?
O mestre e os jogadores.
Uma vez estabelecido que a ação é possível de ser realizada, os participantes vão decidir um ruling para implementá-la no jogo. O grupo pode decidir que a ação ocorra sem condições ou rolagens e tenha os efeitos desejados. O grupo pode decidir que a ação necessite de condições especiais ou rolagens para ter os efeitos desejados.
A construção dessas condições especiais ou rolagens em geral vai acontecer de três formas:
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1. Utilizar uma regra que já existe para cobrir essa nova situação.
Ex.: O arqueiro inimigo vai disparar uma flecha no mago e o guerreiro quer tentar entrar na frente do disparo. Uma iniciativa exclusiva entre o guerreiro e o arqueiro inimigo pode resolver essa situação. Outras infinitas soluções são possíveis, vão variar de mesa para mesa.
2. Utilizar um parâmetro que já está no jogo, mas não é regra, para resolver essa nova situação.
Ex.: Um ladrão sorrateiro quer imobilizar um guarda distraído. Uma rolagem dos DVs (dados de vida) do ladrão contra os DVs do guarda pode resolver este problema. Outras infinitas soluções são possíveis, vão variar de mesa para mesa.
3. Criar algo novo que satisfaça a necessidade de resolver essa situação.
Ex: Um ogro ataca os jogadores enquanto mastiga carne podre, sua refeição favorita. O clérigo deseja utilizar ‘Purificar Comida e Água’ para restaurar a carne podre, afetando o ogro com o repentino gosto horrível de carne fresca. Um d6 (ou qualquer outro dado) pode ser rolado para descobrir qual vai ser a reação dele. Vai engolir e vomitar? Engolir e apenas se desconcentrar? Perceber antes e não engolir?
1-2: Engole e vomite.
3-4: Engole e se desconcentre.
5-6: Percebe antes e não engole.
As possibilidades podem ser tão detalhadas ou tão simples quanto for suficiente para o grupo. Outras infinitas soluções são possíveis, vão variar de mesa para mesa.
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Negociando o Combate Fu
O Combate Fu serve para que os personagens e os NPCs consigam fazer ações que não estão previstas nas regras, mas que fazem sentido. As únicas restrições do Combate Fu são as restrições impostas pelos próprios jogadores e mestre.
O combate fu deve ser negociado entre mestre e jogadores, nunca imposto. Essas negociações podem tratar apenas do efeito positivo, se isso fizer sentido. No entanto, normalmente, elas envolverão apostas e/ou trocas. Nesses casos, os participantes propõem efeitos positivos desejados e aceitam possíveis consequências negativas. Vi essa diferenciação no blog mythlands.
Apostas: Elas envolvem a rolagem de dados e consistem em arriscar algo em uma situação incerta. O resultado da rolagem determinará se o jogador ganha ou perde. Por exemplo, um jogador pode propor que, se ele conseguir realizar uma acrobacia arriscada, como saltar de uma árvore para atacar um inimigo, ele causará dano máximo. O mestre, por sua vez, pode propor que, se o jogador falhar, ele cairá no chão com as costas para cima, ficando vulnerável a ataques. Se o jogador for bem-sucedido na aposta, ele causará dano máximo sem nenhuma consequência. No entanto, se ele falhar, não conseguirá nada e ainda sofrerá consequências.
Trocas: Elas não envolvem a rolagem de dados e implicam em oferecer algo em troca da obtenção de um benefício desejado. Por exemplo, um jogador pode propor que, se sacrificar a ponta de sua lança, ele causará um dano máximo em um ataque. Se a proposta for aceita pelo mestre, o jogador garantirá o dano, se acertar o ataque, e a lança se quebrará, o que poderá afetar suas ações futuras. Se errar, o jogador não sofre consequências, ele não perde arma nem causa dano.
Essas negociações são uma parte essencial do combate fu, permitindo que os jogadores explorem a criatividade de suas ações enquanto mantêm a verossimilhança como prioridade. Isso significa que o risco e a recompensa podem ser “desbalanceados” para qualquer dos lados, pois o objetivo principal é fazer sentido, não necessariamente oferecer recompensas e riscos/consequências proporcionais. Ou seja, é possível assumir um risco grande por um efeito pequeno ou assumir um risco pequeno por um efeito grande. Quem decide o que faz sentido? O mestre e os jogadores, considerando o contexto da ficção.
A negociação pode misturar apostas e trocas. Essa flexibilidade permite uma ampla gama de opções para a resolução de cada situação. Alguns breves exemplos: É possível propor a substituição de uma aposta por uma troca, ou de uma troca por uma aposta, ou adicionar uma troca para diminuir a consequência eventual de uma aposta, ou adicionar uma aposta para diminuir a consequência garantida de uma troca, entre outras possibilidades.
O Combate Fu pode tratar só do efeito positivo, se fizer sentido, mas normalmente ele vai ser uma aposta com possíveis consequências. Você pode conseguir o seu efeito, mas você vai dar algo em troca, isso obviamente depende da negociação entre o mestre e o jogador.
É uma boa prática geral de mesa: Quem controla o atacante estabeleça o efeito do sucesso e quem controla o atacado estabeleça o efeito da falha. Isto pode ser totalmente flexibilizado, mas considero uma orientação boa para ter em mente.
Aqui é importante dizer que o Combate Fu é uma negociação entre iguais, nenhuma das partes é forçada a aceitar os termos do outro. Se uma das partes entender que o efeito que a outra parte deseja não é razoável, ela pode (e deve) fechar a possibilidade de negociação de efeitos.
Defendo que a negociação do combate fu é um momento em que nem o mestre, nem o jogador devem ter a palavra final. Quando qualquer parte tem o poder de impor unilateralmente sua vontade, isso compromete a própria ideia de negociação e pode levar ao desgaste da relação. É preferível que a negociação seja suspensa pontualmente a forçar uma das partes a aceitar algo e se sentir injustiçada.
O Combate Fu significa que está sendo feito algo além das regras básicas do jogo, mas que faz sentido dentro da ficção. Quem decide o que faz sentido são os jogadores e o mestre juntos, então é importante que ambos concordem com a situação para seguir saudável.
Se uma das partes suspende a negociação, a consequência é seguir com a regra padrão; não é como se a pessoa estivesse quebrando o jogo ao negar a negociação. Já quando alguém impõe um efeito sem a concordância do outro, a pessoa está “quebrando o jogo”, saindo do padrão sem a concordância da outra parte. Ambas as situações são socialmente péssimas e podem comprometer a continuidade da mesa. No entanto, considero que a segunda situação é bem mais grave e provável de acontecer.
Em negociações em geral é melhor os dois lados terem um botão de “ninguém ganha o que quer” que ninguém quer apertar do que um dos lados ter um botão de “vai ser como eu quero” que ele não quer apertar. A tendência de apertar o botão “vai ser como eu quero” é maior do que a de apertar o botão “ninguém ganha o que quer”.
A possibilidade da suspensão de uma negociação é importante para garantir a autonomia da vontade dos envolvidos, porém é um acontecimento extremamente raro (eu ainda não vi), pois no diálogo entre iguais, com boa-fé, sempre é possível propor algo diferente e ir ajustando o desejo das partes.
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Exemplos de Negociação
Vamos revisitar o primeiro exemplo e adicionar uma negociação hipotética.
Exemplo 1: O arqueiro inimigo vai disparar uma flecha no mago e o guerreiro quer tentar entrar na frente do disparo. Vamos rolar uma iniciativa exclusiva entre o guerreiro e o arqueiro inimigo.
Jogador: Se eu vencer a iniciativa, eu consigo receber o ataque no lugar do Mago, rolando contra a minha CA.
Mestre: Beleza, mas se você perder na iniciativa, gastou seu turno pulando atrasado e não teve efeito nenhum.
Se o jogador e o mestre concordarem com estes termos, o dado é rolado. Se alguma das partes achar que o efeito da outra é injusto ou ainda quiser negociar algo, a conversa continua.
(Jogador quer continuar negociando)
Jogador: Beleza, então eu quero aumentar minha chance de ganhar a iniciativa... e se eu soltar escudo e arma para diminuir meu peso e tentar chegar mais rápido no mago, posso ter bônus na iniciativa?
Mestre: Faz sentido.
(O mestre tem uma ideia ousada)
Mestre: Se você aceitar tomar o dano da flecha sem precisar rolar para te acertar, tu consegue proteger o mago sem precisar rolar iniciativa, o que acha?
(Jogador continua negociando)
Jogador: E se eu ficar com - 4 de CA ao invés de tomar o dano automático? Mantendo o sucesso automático na iniciativa.
Mestre: Poxa, eu não acho razoável, aceito dano direto ou rolar a iniciativa com bônus se largar arma e escudo.
(Jogador tem uma ideia ousada)
Jogador: Entendo! Tive uma ideia diferente: E se eu tomar o dano direto sem soltar as armas, e rolar iniciativa sem bônus, e se eu ganhar eu posso agir no meu turno. O que acha?
[Continua...]
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A negociação segue até ambos acharem razoável ou até que uma das partes desista da negociação. Eu fiz o exemplo com uma negociação mais longa de propósito, isso pode acontecer às vezes, mas, em geral, as negociações do Combate Fu são fluidas e rápidas.
Você considerou alguma das propostas feitas meio maluca? Cada um pode ter sua opinião, mas para a mesa de jogo o que importa é: os jogadores e o mestre acham que faz sentido e aceitam? Então ela faz sentido. Os jogadores e o mestre acham que ela não faz sentido e recusam? Ela não faz sentido. Seja qual for a decisão da mesa, a polícia do RPG não vai aparecer para prender ninguém!
Uma boa maneira de comunicar o combate fu durante o jogo é:
1. Dizer o efeito positivo que você acha razoável.
2. Dizer como você pretende atingir este efeito. Se possível já sugerindo um ruling.
3. Ouvir o efeito negativo que a outra parte acha razoável. Se possível já sugerindo um ruling.
4. Negociar o ruling ou até os efeitos.
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Exemplo 2:
Jogador: Eu quero cegar temporariamente o inimigo. Eu estou caído no chão e uso minhas duas mãos para jogar essa lama no rosto dele ao levantar. Como eu estou jogando uma abundância de lama de uma vez só acho que podia acontecer um save contra baforada para ver se eu acerto o rosto dele, se ele falhar ele fica cego por 1d4 turnos, o que acha?
Mestre: Eu acho que a ação faz sentido, mas 1d4 turnos é muito, eu acho que um turno é suficiente para ele tirar a lama do rosto, o que você acha? Se ele passar na salvaguarda por pouco nada acontece, mas se ele passar por mais de 5 pensei que ele poderia usar essa onda de lama de forma que vocês não vissem o próximo ataque e ele tivesse um bônus, o que acha?
Jogador: Acho que faz sentido, mas aproveitando essa ideia do sucesso por mais de 5, que tal se ele falhar por mais de 5 a lama entra muito no olho dele e a gente rola 1d4 turnos, pode ser?
Mestre: Fechado, se ele falhar por mais de 5 a desgraça será grande então!
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Fim. Era isso o que eu queria dizer!
Este texto é o produto de reflexão e experiências jogando estilo Oil Fantasy nas mesas de Biergotten, Faerun87 e Finisterra, trocando ideias com as respectivas comunidades e especialmente os respectivos mestres destas mesas abertas. Ele também foi influenciado por uma variedade de textos que, infelizmente, não consigo lembrar individualmente. Enfim, que o Combate Fu traga aventuras ilimitadas e momentos inesquecíveis aos seus jogos. Até logo!
Links:
🔗 Rápida Introdução ao Estilo de Jogo Old School (Tradução do Quick Primer por Café com Dungeon)
🔗 Biergotten - Mesa Aberta que usa Caves & Hexes tocada pelo pessoal do Café com Dungeon
🔗 Finisterra - Mesa Aberta que também sua Caves & Hexes tocada pelo Diálogo Ficcional
🔗 EP do Café com Dungeon sobre Combat Fu
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