Há algum tempo atrás fiz um post aqui no blog falando sobre meu retorno ao cenário de Através das Trevas e o início de uma nova campanha. Acesse o post de apresentação do cenário/jogo aqui:
A campanha está utilizando como introdução a aventura pronta “A Pedra dos Portais” que vem no livro básico. A ideia é encerrar a aventura pronta e continuar a campanha abrindo o mapa para que os personagens possam explorar o cenário de acordo com seus próprios planos.
Nesse post vou apresentar os personagens da campanha, compartilhar a experiência da primeira sessão e discutir como utilizei as mecânicas do jogo para ter uma experiência mais fluida e dar algumas dicas para quem está pensando em se aventurar nas terras d’Aqui.
Personagens
A mesa foi composta por três personagens originais, com a ideia de ter um jogo mais voltado ao estilo Old School eu pedi além da ficha, um background bem reduzido, somente com um rascunho breve da história do personagem. Conforme o jogo avança esse background vai sendo construído na mesa quando os personagens compartilham histórias do seu passado. Ainda nesse post eu vou falar como isso já aconteceu na primeira sessão durante um descanso ao redor da fogueira.
Vou me limitar a apresentar o conceito que os jogadores criaram e a Âncora de cada um, que é o motivo pelo qual eles decidem se aventurar.
Aster - Guerreiro • Artes Marciais
Aster (personagem do Gabriel) é o último aprendiz de um monastério que entrou em decadência depois da Quebra e aos poucos foi ficando abandonado. Seu antigo mestre o encorajou para sair pelas ruínas de Aqui e contou para Aster sobre o Templo da Goiaba, um monastério que ainda sobrevive isolado do resto do mundo.
Âncora: De punhos cerrados trarei a ordem novamente a esse mundo.
Cassandra - Ladina • Vasculhadora
Cassandra (personagem da Izadora) é um vasculhadora curiosa e recolhida, que busca como propósito colecionar as mais diversas histórias. Talvez essa seja uma forma de não esquecer os que já se foram.
Âncora: Todos os momentos viram eternos quando transformados em histórias.
Rony - Guerreiro • Atirador
Rony (personagem do Ruy) é um caçador já na meia idade com certa experiência no uso de seu arco. Teve diversos trabalhos manuais dentro dos muros até que decidiu seguir seus instintos e se entregar ao calor da caçada e de descobrir o mundo em ruínas.
Âncora: A adrenalina da caçada move meu espírito.
Você deve ter sentido a falta de um Mago, mas uma jogadora não pode participar da primeira sessão da campanha, assim seguimos apenas com 3.
Estou preparando um compilado de personagens prontos para Através das Trevas, logo mais apresento aqui no blog um post com essa lista de personagens que podem ser utilizados em jogos rápidos (como em eventos ou oneshots) em que você não tenha tempo de fazer as fichas e já possa começar o jogo.
SPOILER ALERT: A partir desse ponto tem spoilers da aventura A Pedra dos Portais!
O início - O Figo Vagaroso
O diário de campanha não apresentará todos os detalhes da aventura e não tem a intenção de ser um material que você possa usar para reproduzir fielmente em sua mesa. A ideia aqui é compartilhar experiências de jogo sobre abordagens e ferramentas. A aventura A Pedra dos Portais está detalhada no livro básico de Através das Trevas.
A aventura começa com os personagens na Taverna chamada O Figo Vagaroso, um lugar frio, úmido e sujo. Lá os personagens conhecem Flamongo, uma ladra que lhes faz uma proposta:
“Estou indo invadir e roubar o Castelo Raymund, dizem que lá está cheio de riquezas que os antigos donos deixaram para trás”.
Para reforçar a proposta de Flamongo, na introdução do jogo eu narrei para os personagens que eles estavam já alguns dias viajando sem muito descanso, e que nas últimas andanças na região tinham ouvido o seguinte rumor:
“A nobre família Raymund construiu seu castelo entre uma vasta floresta boreal e uma grande cadeia de montanhas na parte noroeste d’Aqui, depois da quebra a família misteriosamente desapareceu deixando o castelo trancado e abandonado”
Com isso os personagens decidem se unir a Flamongo em direção a vila Barbas de Raymund para tentar a sorte e talvez encontrar algum tesouro no antigo castelo. Flamongo ainda apresenta para os personagens um mapa da região.
Além da interação com Flamongo, os personagens interagem com o velho mago Clarg que está completamente bêbado e em algum momento grita:
“SIM, TODAS AS LENDA SOBRE A PEDRA SÃO VERDADEIRAS. HÁ PODER EM TODAS AS PARTES JUNTAS E ASSIM O MUNDO SERÁ SALVO E OS ANJOS NÃO VÃO MAIS CAIR. O PREFEITO SABE MAIS SOBRE O CASTELO RAYMUND”
Os personagens ainda se informaram com o taverneiro Barry para entender sobre a região, comem e se preparam para a viagem.
Como estávamos sem um mago, aproveitei que o NPC Clarg estava ali sem rumo e ele se juntou ao grupo. Além de ajudar em um eventual combate, foi um ótimo NPC para que os personagens tenham contato com a loucura da mente queimada dos magos.
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Partindo em viagem - A Estrada
Na estrada a aventura propõe um primeiro conflito:
“Poucas horas trilha adentro, um rastro de sangue é visto pela estrada. Este rastro leva os PJs a uma cena trágica pouco adiante: cavalos mortos por cortes e flechas, além de alguns corpos de guardas reais. Logo ouvem-se risadas maléficas mais adiante, e também o ranger de ossos e metal.”
Os jogadores ainda não sabendo da letalidade do jogo, adotaram uma postura cautelosa e foram se aproximando lentamente. Utilizando uma abordagem mais Old School perguntei como eles “se aproximavam com cautela”? Ao invés de rolar um teste. Eu pedi para o Aster, que ia mais à frente, apenas rolar um dado de sorte para ver se ele chamava ou não atenção. A ideia não era punir caso a sorte fosse ruim, apenas daria uma vantagem de surpreender os inimigos mais a frente caso a sorte tivesse ao seu favor e os inimigos distraidos, funcionando quase como uma teste de supresa dos jogos mais antigos dessa linha. Ele rolou e estava com sorte!
Aster decidiu partiu pra cima de um dos inimigos, pois observou que eram 3 esqueletos que tinham atacado uma caravana e pensou que podiam ter sobreviventes.
Novamente com uma abordagem mais Old School, o posicionamento ficcional no combate é muito importante, os personagens podem negociar vantagens, buscando na narrativa qualquer coisa ao seu favor, como uma cobertura, provocar, escorregar por baixo de uma carruagem, tudo é possível, desde que a narrativa permita.
Após derrotarem os 2 primeiros esqueletos eu narrei que o terceiro ameaçou fugir, Aster ainda tentou impedir, mas o perdeu de vista, nesse caso eu pedi um teste de rapidez com atletismo que ele falhou. Diferentes dos jogos mais modernos de fantasia, oponentes raramente lutam até a morte se tiverem em desvatagem e como fugir, aqui o combate é entendido como uma guerra e não como um esporte.
No saldo do conflito apenas Clarg se machucou, os personagens pilharam o que conseguiram e encontraram na caravana uma carta escrita entre os corpos:
“Era tarde demais, trancamos todos em uma das guaritas, e não tinha nada que pudéssemos fazer. Que os deuses tenham pena de suas pobres almas.”
Assim eles continuam em viagem. Horas mais tarde chegaram à Ponte Branf que estava no mapa fornecido por Flamongo. Ali haviam duas guaritas de madeira, em uma delas encontram uma criança que está desesperada afirmando que seu pai estava preso na outra guarita.
Desconfiados, Aster e Roni se aproximam e tentam escutar a porta, enquanto Cassandra dá alguns passos atrás com seu arco apontado para a porta. Eles abrem uma pequena fresta e observam que são zumbis! Roni então dá a ideia, sem abrir a boca ele saca um tocha, Aster acende e assim eles incendeiam a guarita de madeira.
Nessa interação os personagens não rolaram nenhum dado, a abordagem é sempre perguntar “como eles fazem as coisas?” E se as ações tiverem coerência com a ficção e não apresentarem riscos, apenas deixe seguir. Guarde os dados para quando as coisas podem dar errado, ou você verá cenas ridículas de um ladrão experiente caindo em uma armadilha de nível 1 apenas porque rolou 1 no dado.
Nesse exemplo os personagens já desconfiados não abriram a boca, andaram nas pontas dos pés e tiveram exímio cuidado para abrir a porta, tudo foi feito com calma, pois o tempo não estava os pressionando.
A cena se segue com o garoto, de nome Hugo vendo seu pai já transformado em Zumbi sendo consumido pelo fogo junto a outros homens que também já estavam mortos. Ele conta ao grupo que seu pai era da guarda e que eles eram da vila de Barbas e estavam indo embora. Cassandra interage bastante com a criança tentando consolá-la.
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Um momento de calma e descanso
O resto do dia passa, Roni sai para caçar algo, Cassandra cuida das coisas e improvisa junto com Clarg um local para passarem a noite enquanto Aster faz a guarda.
Para acelerar o processo, eu pedi apenas uma rolagem de sorte para definir se Roni encontrava ou não uma alvo na caçada, entenda que aqui o que está sendo testado não é capacidade de caça de Roni, mas sim se naquela região tem pequenos animais para caçar, a negociação com ele foi o seguinte:
“Olha, como tu me disse que o Roni já é acostumada a caçar pequenos animais para se alimentar, isso não vai ser problema, eu vou apenas pedir um rolagem de sorte pra definir se nessa região tem esse tipo de animal, se tiver a gente assume que Roni não teve problemas e consegue o que quer”
O resultado da rolagem de sorte foi positivo e Roni voltou com um coelho!
Como em toda narrativa, esse foi um momento de descompressão, com um acampamento improvisado utilizando a guarita para guardar seus pertences, eles fazem uma fogueira na ponte, assam o coelho e comem.
Nesse momento eu propus que o grupo aprofundasse um pouco os personagens, o passado e a relação entre eles. Primeiro eu perguntei a cada um o que eles faziam antes de se aventurar pelas terras devastadas pela Quebra, e que naquela fogueira eles iam compartilhar isso como uma conversa entre amigos se lembrando de como era a vida antes de se aventurar. Pedi então para que eles contassem sobre seu passado a partir de três perguntas simples: vocês tinham uma profissão? tinham uma família? por que decidiram partir?
Roni, por exemplo, respondeu:
"Eu vivi minha vida quase toda dentro dos muros da cidade que eu nasci, a quebra já tinha acontecido antes de eu vir para esse mundo, então eu só conheço essa realidade devastada. Minha única família sempre foi minha mãe que ainda ta lá. Eu sempre gostei de caçar nos arredores da cidade, mas isso nunca foi uma profissão, ao invés disso eu fazia trabalhos manuais, já fui aprendiz de marceneiro, batedor de ferro, até costurei algumas coisas, eu sempre fui bom fazendo esse tipo de trabalho. Mas eu vivia inquieto com o que tinha no mundo lá fora, eu queria poder caçar outros animais, conhecer as coisas, por mais perigoso que fosse. Uma pena que decidi fazer isso já com mais de 30 anos, mas tem um lado bom, talvez se tivesse partido mais jovem já tivesse morrido por aí, a idade traz uma certa esperteza."
Depois eu perguntei o que eles pensam de um dos outros personagens, se eles confiam, admiram ou qualquer outra coisa. Aster por exemplo, respondeu que admirava a Cassandra, era a mais jovem entre eles e ainda assim era muito esperta, cheia de ideias e já tinha tirado eles de vários perigos, ele confiava muito nela.
Esse é um recurso muito valioso para utilizar nas mesas, quando utilizamos a forma tradicional de pedir que os jogadores apresentem seus personagens no início da primeira sessão, isso facilmente será esquecido por todos quando o jogo começar. Atrase esse momento de apresentação e faça aos poucos entre os momentos de mais ação, aproveite essas clássicas cenas ao redor da fogueira e pergunte aos personagens sobre seu passado, sobre o que mais está preocupando eles nos próximos dias, peça que eles contem uma história marcante que aconteceu antes dessa aventura, use sua criatividade como narrador para criar esses momentos. Além de preencher esses espaços de descompressão na narrativa que costumam ser monótonos, esse aprofundamento em jogo como parte de uma interação costuma ser muito mais profundo e valioso.
No dia seguinte os personagens partem, a viagem segue e o caminho se torna cada vez mais íngreme. Já perto de chegar na vila um último acontecimento (que está previsto na aventura escrita), o grupo é atacado por uma criatura bizarra: Um monstro com cara, chifres e pernas de bode, mas dentes e peitoral de lobo e garras muito afiadas.
A criatura parte para cima de Flamongo e prestes a ataca-la desiste como se ouvisse um chamado e volta para a escuridão. Depoi do susto os personagens finalmente chegam à vila Barbas de Raymund.
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Chegando na vila - Barbas de Raymund
Ao chegar na vila os personagens dão uma boa olhada geral, Hugo, a criança encontrada na ponte que estava com eles explica o que tem na vila, então achei que fazia sentido mostrar o mapa para os jogadores já que a criança morava na vila e os contou.
A sessão acabou com os personagens entrando na Igreja local procurando alguma alma viva para pedir informações...
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A continução já está disponível, só clicar nesse link:
🔗 Através das Trevas - Diário de Campanha Sessões 2 e 3 (temporada 1)
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Se você leu até aqui peço que deixe um comentário ali embaixo falando se gostou ou desgostou ou se tem alguma sugestão, muito obrigado =)
As ilustrações desse post são capturas de tela, foram retiradas do livro Através das Trevas e são de propriedade do autor.
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Ótima abordagem. Uma boa ideia aprofundar a história dos personagens durante momentos do roleplay que soa mais monótonos. Dá uma profundidade melhor e aos poucos deixam de ser um bando de desconhecidos q vai juntos. Vou começar a usar isso. Parabéns pela iniciativa.
ResponderExcluirObrigado pelo feedback Antonio! Essa abordagem de aprofundar a história dos personagens durante o jogo é muito valiosa. Outra opção legal é jogar cenas de flashback durante o jogo, em um proximo post vou tentar abordar isso também.
ExcluirAchei genial, correrei para as próximas aventuras
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